- To tentando imaginar a brilhante idéia que você teve. – disse Du – Não vejo sentido algum vir pro estacionamento do shopping procurar pistas.
- Pra falar a verdade, eu tava querendo sair de perto deles. Além disso, to com fome... todo aquele sangue me deixou com as lombrigas atacadas.
- Hum... pensei que tinha se sensibilizado com a morte da criança.
- Cara, eu fico chateado porque ele tinha toda uma vida e foi morto a toa. Se esse Pai Bondoso queria falar com a gente, bastava dar uma ligada.
- Realmente. Acho que ele merece morrer por ter sido tão burro.
- Também acho.
- E aí, vamos comer ou procurar o Bondoso?
- Comer. Já é tarde e não temos lugar pra ficar.
- Certo.
- Olha ali e responde pra mim: O que um bando de vagabundos está fazendo num posto de gasolina fechado uma hora dessas?
- Dois carros e contei sete pessoas. Talvez tenha mais alguém nos carros. Acho que estão usando drogas.
- Pra mim, isso se chama lanchinho da madrugada. Vamos bater um papo com eles e, depois, procurar um hotel.
Hotel Esplendor – Londrina-PR – 2º noite, 20:13
- Sabe o que me admira nesses moleques de hoje? – perguntou Pedro enquanto escovava os dentes.
- Que eles têm todos os dentes? – respondeu Du.
- Interessante observação, mas não. O que não me entra na cabeça é que eles têm tanta informação sobre os perigos do mundo e, mesmo assim, são tão inocentes.
- Pois é. Não acreditei que ontem eles fossem cair na história de fazer uma festa no hotel, sendo que nem nos conheciam.
- E deram carona! Dois caras que nunca viram na vida! Tudo bem estamos arrumadinhos, mas porra, poderíamos ser assassinos em série, foragidos, sei lá.
- Poderíamos? Liguei a TV agora a pouco e polícia está procurando quem incendiou dois carros com os jovens dentro. Suspeitam de dívida de drogas.
- Eles sabiam dos riscos.
- As mães juraram que eram criança exemplares, que nunca deram trabalho e jamais usaram drogas.
- Elas que acreditem no que quiserem. Minha cabeça ta doendo de tanta porcaria que tinham no sangue.
- A minha também.
- Você podia parar de tomar sangue e juntar almas de vagabundos como todo demônio.
- Assim é mais divertido.
- Com certeza. Mas mudando de saco pra mala, pensou em algum jeito de encontrar o Pai Bondoso?
- Liguei pro Tony antes de dormir e ele me deu uma pista.
- Tony Sabido?
- Justamente. Se alguém está famoso no mundo sobrenatural, ele sabe.
- E o que ele disse?
- Parece que tem um Pai Bondoso por aqui que anda curando velhos ricos. Tony passou o endereço de uma chácara entre Londrina e Ibiporã, disse que não é difícil de encontrar.
- Termine de se arrumar então e me espere na porta do hotel, vou arrumar um carro.
Estrada Contorno Norte – 21:02
- Próxima à esquerda. – disse Pedro.
- Será que é ali? Local isolado, chácara com muro alto, toda fechada, só uma saída. Vai ser rápido.
- O Pai Bondoso é meu, não se esqueça.
- Pode deixar.
Abandonaram o carro numa curva a uns 300 metros e seguiram para a entrada da chácara. A única iluminação artificial vinha de trás dos muros.
- Du, dá uma olhada lá dentro.
- Tem uma Dakota, uma Pajero, um Golf, um Stilo e cinco motos. Quatro homens no estacionamento com armas de fogo. Atrás da casa tem uma área de lazer com dois cães amarrados, mas não estão fazendo churrasco. Se esperar um pouco posso ver dentro da casa.
- A segurança é o que me interessa.
- Vou segurá-los para você. Boa sorte lá dentro.
- Ok.
Pedro saltou o muro e correu para a entrada da casa. Os seguranças não tiveram tempo de impedir o vampiro, pois corrente negras surgiram de suas sombras e torceram seus corpos. Presos e incapazes de usar as armas, viram Du surgir entre eles.
- Eu posso espremê-los até virarem purê... mas isso não teria a menor graça. – disse o demônio caminhando, sorrindo, até sua primeira presa.
Ao abrir a porta de entrada, Pedro se deparou com uma mulher sentada atrás de uma bancada. A entrada era separada do resto da casa por uma porta de vidro, que estava fechada.
- Você é a recepcionista? – perguntou Pedro.
- Sim. O senhor tem hora marcada?
- Pra falar a verdade, não.
- O Pai Bondoso está ocupado. Por favor, espere que ele logo irá atendê-lo.
- Abre a porta e cai fora, guria. – disse Pedro caminhando até a moça.
- Eu... eu não posso.
- Não vou repetir.
A recepcionista apertou um botão sobre a mesa e a porta se abriu. Pedro percorreu o corredor, que tinha três portas fechadas de cada lado, até chegar a uma porta dupla no final. Sobre a porta havia uma placa escrita “Sala de cirurgia espiritual”, em letras grandes, e, abaixo, em letras menores, “não entre se a porta estiver fechada”. Pedro parou em frente a porta, respirou fundo e empurrou-a com ambas as mãos.
Sobre uma maca, no centro da sala, estava deitada, nua, uma idosa. De frente para a porta de entrada, estava um homem alto, um pouco acima do peso, usando calças, sapatos e camisa branca, que espremia sobre a cabeça da mulher o que Pedro logo reconheceu como sendo um coração. Ao lado da maca estava um homem, de joelhos, que segurava a mão direita da idosa. Auxiliando o homem que espremia o coração, estava uma jovem. Um terceiro homem estava nos fundos, cortando algo dentro de uma grande pia.
- Quem é o Bondoso? – perguntou Pedro.
O homem que segurava a mão da idosa voltou-se furiosamente para o homem que segurava o coração. – O que é isso? Quem é esse homem? – Levantou-se, soltou a mão da mulher e caminhou até Pedro. – Se estragar isso ou contar na mídia que me viu aqui eu...
O homem não concluiu a frase porque Pedro o pegou pelos cabelos e golpeou seu rosto contra a parede três vezes. Inconsciente, talvez morto, o homem caiu. A idosa, paralisada, tremia com a aproximação de Pedro.
- Você achou que ficaria mais jovem, bonita, ou que viveria mais quantos anos com isso? – disse Pedro olhando nos olhos da idosa antes de quebra seu pescoço. – Agora, pela última vez, quem é o Pai Bondoso?
- Sou... sou eu. – disse o homem ainda com o coração nas mãos.
O homem que estava nos fundos da sala disparou três tiros contra Pedro, que cambaleou, ergueu a cabeça e lhe avisou – Primeiro, vou acertar com ele e daqui a pouco falo contigo, não saia daí. Mina, vaza! – A ajudante do Pai Bondoso soltou a bandeja que segurava e saiu, correndo, da sala.
- Por quê seqüestrou e matou o menino? – disse Pedro, sentando-se na maca, ao lado da idosa, encarando o Pai Bondoso nos olhos. – E o que isso tem a ver comigo?
- Vai me deixar viver? – perguntou o Pai Bondoso.
- A conversa não é pra saber se você viverá. Independente do que me diga, você morre hoje, só resta saber como.
- Isso não será tão fácil como está pensando.
- Não me ameace, Bondoso.
- Olha, eu sei muita coisa. Posso te ajudar, mas tem que prometer que não vai me matar.
- Por mim, tudo bem.
- Sério?
- Claro. Tem minha palavra. Agora, conte tudo.
- Umas duas semanas atrás, um homem chamado Giovane Santana me ofereceu uma boa grana pra fazer isso. Meus funcionários são especialistas em encontrar crianças, por isso não achei que fosse difícil. O único pedido era que a criança fosse morta na hora que avisasse. Entenda, só fiz isso pelo dinheiro, nem sabia que você existia.
- Onde encontro esse Giovane Santana?
- Ele tem um bar em Londrina e outro em São Paulo. Se tiver sorte é provável que o encontre aqui.
- Anote os endereços e telefones dele. Mais alguma coisa sobre ele para me contar?
Bondoso pediu papel e caneta ao empregado que estava no fundo da sala.
- Ele tem costa quente. – disse Bondoso enquanto escrevi as informações.
- Quão quente? Políticos, polícia, o quê?
- Ele é amigo de um anjo chamado Eniael. Se fosse você, deixava isso pra lá e tocava a vida bem longe daqui.
- Anjos não têm amigos. Terminou?
- Sim. – disse Bondoso entregando a Pedro o papel.
- Realmente, você é bondoso. Saia.
Bondoso saiu da sala e Pedro caminhou em direção ao homem que o esperava próximo a pia. O homem apontou a arma para Pedro, que continuou andando, e a disparou até que suas balas acabaram. Pedro olhou dentro da pia e viu uma faca que estava junto aos restos de uma criança desmembrada que não aparentava ter menos de dez anos.
- Isso não é justiça. – disse Pedro ao homem enquanto regenerava seus ferimentos. - Não existe justiça para o que você fez a tantas crianças. - aproximou-se do homem até que ficassem a poucos centímetros um do outro – Isso é apenas para que você vá pro inferno sabendo como é morrer abandonado, mas nem de longe terá idéia do que essas crianças sentiram. - Saltando sobre o homem, Pedro o imobilizou e quebrou seus braços e pernas.
Pedro abandonou o homem na sala, aos berros, e caminhou até a recepção, onde encontrou Du sentando lendo uma revista.
- Alguém saiu vivo? – perguntou Pedro.
- Não, ninguém. As duas mulheres eu decapitei para não sofrerem muito, mas o altão tava sujo de sangue, daí pensei “esse merece algo mais requintado”.
- O altão era o Pai Bondoso.
- Sério? Então, acho que os cães gostaram da janta.
- E nos quartos?
- Tem um bando de velhos preguiçosos. Deixei eles lá, nenhum tentou fugir mesmo.
- Vamos por os corpos na última sala, espalhar o combustível dos carros pela casa e por fogo nessa merda.
- Com os velhinhos dentro?
- Ninguém aqui merece menos que isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário