quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

VOCÊ NÃO IMAGINA O QUE JÁ PASSAMOS

Hotel Galaxy, próximo ao Aeroporto de Guarulhos – 02:05

- Será que o Du vai demorar? – perguntou Natália.

- Acho que não. – disse Pedro – Ele gosta de se programar, ter lugar pra ficar, veículos, restaurantes... Por isso, pode viajar tranqüila porque ele cuida de tudo. Daqui uma meia hora deve estar de volta.

- Apesar de ser um demônio, ele até que é bem tranqüilo. Digo, não fica falando de arrancar cabeças ou sacrificando criancinhas.

- Nem todos os demônios demonstram sua verdadeira natureza o tempo todo.

- É aí que ta, acho que ele não é um monstro.

- Depende do ponto de vista... Já o vi enforcar uma pessoa porque riscou o carro dele, mas, também, presenciei algumas atitudes bondosas, justas, piedosas...

- Conta alguma dessas histórias.

- Se quiser, tenho algumas, minhas, bem interessantes também.

- Não temos tempo pra duas histórias e acho que não to afim de saber da tua vida.

- Você ta começando a perder o encanto, sabia?

- Para de enrolar e conta logo antes que ele volte.

- Ok, certo... Vejamos, algo sobre Du... hum... teve uma vez que estávamos em Santos, voltando bêbados para o hotel, e ouvimos alguém chorando, implorando por ajuda. Du resolveu dar uma olhada, abriu um portal para o apartamento e encontramos uma menina de uns 13, 14 anos, ajoelhada do lado da cama, rezando e chorando. Fiquei escondido nas sombras enquanto ele se aproximou. A menina disse que os pais tinham sido assassinados na frente dela, que a polícia prendeu os bandidos, só que não foi em flagrante e não havia provas, além disso, disseram que seu depoimento era confuso porque estava muito abalada... enfim, os bandidos estavam soltos e os pais dela embaixo da terra. A garota disse que queria matá-los e que faria qualquer coisa se Du a ajudasse. Ele disse que não a deixaria se sujar com isso, que era pra ela levar a vida, pois um dia a dor diminuiria. Não me esqueço das palavras deles... “eu quero justiça!”, disse ela. E Du respondeu: “Justiça? Por que fala de justiça quando na verdade está implorando por vingança? A única saída justa seria fazer com que isso jamais tivesse acontecido, mas é impossível. Por isso, só posso te oferecer vingança. Aceita?”. E ela respondeu: “sim”. Não entendo porque ele resolveu ajudá-la... bom, isso não vem ao caso... O que aconteceu em seguida foi que ele encontrou os dois assassinos. O primeiro foi razoavelmente fácil, pois tinha se convertido e vivia na igreja... Du esperou o culto acabar e bateu a cabeça do maldito no altar até o cérebro vazar. O segundo, bem esse ainda tava na ativa. A polícia estava atrás dele por ter estuprado e matado, com mais de vinte facadas, uma jovem alguns dias antes. Du o encontrou escondido num barraco numa favela em São Paulo. O cara acertou um tiro no Du, o que, sinceramente, não foi uma idéia muito inteligente. Du tomou a arma dele e abriu um portal pro cemitério onde a última vítima tinha sido enterrada, deu uma pá ao assassino, fez ele desenterrá-la e abrir o caixão. Aí foi legal demais! Pegando o assassino pelos cabelos, Du o fez olhar no rosto da garota e esfregou sua cara nos ferimentos. Aí ele disse: “Agora você chora e implora perdão, mas qual foi sua atitude quando ela fez isso? Onde está o cara que aterrorizava todo mundo? Entre no caixão e implore, se ela te perdoar, está livre”. O bandido tentou escapar, mas Du deu três nas pernas dele. Daí o cara segurou no jazigo ao lado e, com uma pazada, Du decepou uma das mãos dele... hum... não lembro qual mão foi, mas, enfim... Du enfiou a mão decepada na boca do assassino, jogou-o dentro do caixão e cobriu de terra.

- Isso era pra ser uma história sobre bondade e compaixão?

- Nem vem, a história é massa. É o lado “humano” do Du. Apesar de dizer que não acredita em justiça, acho que ele sempre tenta fazer algo pra equilibrar as coisas...

- Claro... enterrar pessoas vivas é “justiça pura”.

- Entregá-las a um sistema corrupto e sobrecarregado, cheio de advogados preparados para utilizar as leis para livrar bandidos é uma alternativa muito melhor, não?

- E onde ficam os direitos humanos?

- Direitos humanos são para humanos, não para animais. Os assassinos riem na cara da justiça porque sabem que ela não é feita para eles. Nunca vi defensores dos direitos humanos irem ao enterro de um inocente amparar a família e exigir a punição do criminoso. Pessoas boas morrem todos os dias e são ignoradas enquanto os criminosos são tratados a pão-de-ló. Porque os defensores dos direitos humanos não chamam os bandidos que tanto protegem quando estão sendo assaltados, estuprados ou assassinados?

- Mas todos podem errar, assim como podem se arrepender e não repetir o erro. Além disso, cada caso é um caso.

- Sem hipocrisia, responda: você está num matagal, ferida, com dois homens arrancando suas roupas. O quê você prefere, um pacote de camisinhas ou uma arma carregada?

- Aí você pegou pesado.

- Peguei pesado? Duvido que alguém escolheria as camisinhas. Imagina que legal, você chega na delegacia e diz “seu guarda, eu fui estuprada, mas, felizmente, tinha um pacote de camisinhas na minha bolsa” ou, pior ainda, “eu queria ter um pacote de camisinhas!”.

- Ta bom, entendi.

- Sabe, você deve pensar que demônios não tem escrúpulos, nem limites... o Du, nesse sentido, é bem diferente... ele jamais estupraria alguém... mas mataria, sem peso na consciência, uma criança para sobreviver. Ele é meio “velhão”, sabe... de uma época que moças casavam “moças” e com 15 anos uma pessoa já devia cuidar de sua própria família.

- Ele é diferente... mas no fundo, acho que é uma pessoa normal. Digo, não normal como um humano normal... mas normal. Tudo depende da situação.

- Exatamente.

- Você sabe como ele nasceu? Sabe como é, ele deve ter sido parido de alguma forma.

- Pra ser um demônio você precisa passar um tempo no inferno. O problema é que o inferno é fodasticamente... foda. Tudo é morte e destruição. Você nasce, mata, morre, nasce novamente, arrebenta tudo que encontra pela frente, morre de novo... e nasce... e mata... e morre... Em algum momento, todo mundo acaba matando... a morte vira algo banal, mas necessária. Você deixa de ser humano na primeira vez que morre no inferno. Com o tempo começa a esquecer do teu passado, do que era ser feliz, do que era a paz. Alguns se entregam totalmente, param de lutar e se tornam vermes... literalmente. Alguns se transformam em monstros enormes... outros se fundem para poder sobreviver... pouquíssimos são capazes de se manter consciente e usar a energia que adquirem para se defender e, um dia, quem sabe, escapar para a Terra. Na Terra, a morte é única... se um anjo, vampiro, ou demônio morre aqui, não volta mais. Mesmo assim, talvez seja melhor viver poucos anos na Terra e desaparecer que passar a eternidade no inferno. No inferno, alguns lugares são enormes desertos, onde as almas te arrastam para baixo... outros são belos campos onde você é perseguido por milhares de monstros... tem a terra dos “moradores invisíveis”, onde você fica simplesmente perdido, sem conseguir ver ou falar com ninguém... mas um lugar cabulosamente tenso é a “Área Zero”, onde o tempo não passa. Parece besteira alguém ter medo dum lugar onde o tempo não passa, mas pense como é ficar preso lá por séculos na escuridão total, rodeado de coisas que seus olhos não vêem, mas sua cabeça diz que é algo terrível, e, quando sair, não terá passado um segundo sequer.

- Então ele era um humano?

- Provavelmente sim, eu acho... a gente nunca conversou sobre o passado dele.

- Mas ele tem poderes... não conheço humanos que fazem o que ele faz.

- Você faz coisas estranhas. O lance do poder é usar a energia que você acumula. O Du consegue arrancar coisas do inferno... teleportar... humanos não fazem isso, geralmente, porque é muito desgastante, o corpo pode não agüentar. Mas isso não quer dizer que não existem humanos poderosos a tal ponto.

- Vocês têm amizade com muitos demônios e vampiros?

- Conhecemos alguns, o problema é que desaparecemos muito facilmente. Tem aqueles que se refugiam no inferno, mas a maioria é destruída.

- Tinha outra visão sobre imortais...

- Todos acham que, ao se transformarem em imortais, viveram por séculos, só que, na verdade, a maioria acaba vivendo apenas algumas décadas. Alguns entram em depressão e se matam, ou saem se mostrando demais e acabam sendo mortos. Nós, imortais, somos menos cuidadosos. Não é qualquer acidente que nos matará, assim como nenhuma doença ou a velhice, só que não existem leis que nos protegem e temos que viver vidas falsas. Temos que estar ligados o tempo todo, pois é matar ou morrer. Anjos, humanos e mesmo vampiros e demônios são ameaças constantes a nós.

- A vida de vocês não parece tão agradável. Poucas perspectivas de futuro...

- Eu e o Du aceitamos que existimos, e isso é suficiente para querermos sobreviver. Você não imagina o que já passamos... enterramos mortos pela Peste Negra, comemos ratos quanto a tripulação de um navio que nos trazia à América morreu de fome, destruímos tribos que nos caçaram, queimamos mulheres em nome da Igreja Católica, salvamos judeus durante a Segunda Guerra Mundial e sugamos suas almas pra enfrentar os nazistas. Nós lembraremos para sempre daquilo que vocês, humanos, felizmente não se recordam por causa do Véu do Esquecimento.

- Devem ter passado por momentos bem difíceis mesmo.

- Vocês reclamam o tempo todo de suas vidas, dizem que o mundo nunca esteve tão ruim e que em algum livro religioso ou nos escritos de uma civilização perdida esses são sinais do fim. Cara, o mundo nunca esteve tão bom! Vocês vivem muito mais que há um século, sem falar nas coisas que tem acesso para facilitar a vida e mesmo assim vivem reclamando. O que acontece é que os humanos nunca estão satisfeitos e sempre, sempre mesmo, alguém tenta provar que é superior. Nós matamos para sobreviver, porque é a forma de nos alimentarmos e nos defendermos, enquanto vocês se matam por palavras, crenças, dinheiro... é tão ridículo alguém viver tentando juntar papel, matar por papel, se vender por papel... no fim, dinheiro é só isso... papel.

- Agora, parou, porque o assunto ta abrindo a porta.

- O Tony me ligou. Vamos pra Madri e o vôo sai às 6:20. Arrumei um caixão maneiro pra você. – disse Du a Pedro – Também reservei três quartos, comprei um mapa da cidade, porque o GPS do meu celular vive travando, e consegui um carro emprestado com um amigo.

- Bem que o Pedro disse que você cuidaria de tudo.

- Agora vou ler o jornal enquanto meu amigo chupa-sangue descola um café. – disse Du.

- Puta merda, você acabou de voltar da rua. – disse Pedro – Por que já não trouxe o café?

- Porque aí você não precisaria fazer nada e odeio te ver entediado.

2 comentários:

  1. Aiaiaia
    caraca ri pakas...

    ameeeiiiiiiii..

    nossa este Du...
    aiai.
    to adorando o texto.
    muito bem realista ..
    :D
    até pareceque ta acontecendo de verdade.
    to amando muito
    contiinua logo.
    to ansiosa ara continuar lendo rsrss

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  2. hahaha o Du é o melhor!!! adoro ele! xD

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